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segunda-feira, 29 de julho de 2013

Marcha das Vadias: um episódio à parte






Vou partir do pressuposto de que se você chegou até esse artigo é porque já conhece o movimento Marcha das Vadias. Portanto, meu objetivo aqui não é falar a respeito da marcha em si, nem sobre minha opinião a seu respeito – ainda que eu acabe o fazendo. Entretanto, se você caiu aqui de para-quedas ou por mera curiosidade aconselho que se informe sobre a Marcha das Vadias para não cair na tentação de julgar precipitadamente e eliminar os pontos positivos da Marcha que poderia ter encontrado, caso você tivesse se aprofundado melhor no assunto (pesquise: http://pt.wikipedia.org/wiki/Marcha_das_Vadias).

Esse é um artigo de opinião. Desse modo, você vai esbarrar aqui, caro leitor, com ideologias prévias, cultura, conhecimento de mundo e, consequentemente, com a opinião particular (embora dialogicamente construída, ela tem consciência disso) da autora – no caso eu. Devo admitir que aqui me debruço mais por um teimoso exercício da escrita, confesso – uma pretensão de ajustar e aprimorar o meu poder de argumentação –, do que para expor, de fato, um acontecimento que já está sendo narrado, descrito e comentado incontáveis vezes pelas redes sociais adentro. Postas as devidas considerações, chega de introdução e vamos aos fatos (ou, devo dizer, às considerações dos fatos?).

Para começar, devo deixar algo bem claro logo de início: sou a favor de qualquer iniciativa que proponha um mundo no qual as mulheres tenham os mesmos direitos que os homens. Como disse o Papa Francisco "Un joven que no protesta, a mi no me gusta". Sou a favor que as mulheres saiam às ruas e postulem para si o direito de se vestirem como bem entenderem sem que isso signifique dar "margens para um estupro", aliás, esse foi o estopim e o mote para que surgisse a Marcha das Vadias. Não tolero, e quero sublinhar isso, que um ato de estupro possa ser justificado pela roupa da vítima, e nesse ponto estou rigorosamente de acordo com a Marcha. O problema não está na vítima, não pode estar. As mulheres precisam ter o seu direito garantido de usarem as roupas que assim desejarem. O que for contra isso é sexismo. E eu deixo de fora a questão da moral (o que é certo vestir, o que não é, o que é muito provocativo etc) porque aí já não falamos de uma questão pragmática, mas filosófica. 


Eu, Priscilla, não sou feminista (pelo menos não assumidamente) e tampouco poderia me declarar uma, visto que acompanho o movimento apenas de longe, sem nunca ter estudado suas causas a fundo. No entanto, isso não significa que eu não simpatize com algumas causas do movimento feminista e não deseje que o mundo seja um lugar onde homens e mulheres gozem uma vida civil em que seus direitos e deveres sejam iguais. Como mencionei anteriormente, a Marcha das Vadias tem seus aspectos positivos. Porém, quero falar de um episódio à parte...


Preste atenção agora, pois daqui em diante estará o verdadeiro assunto do post (enrolei vocês esse tempo todo, rs). Li uma notícia hoje que me deixou, no mínimo, perturbada. E é sobre ela que quero falar. Para não tornar tudo repetitivo e lento, prefiro que você mesmo leia a notícia que está aqui

Leram? Pois bem, eu fico intrigada com ações como essas. O que essas mulheres e homens tentam provar para si mesmos fazendo o que fizeram? Não consigo enxergar tais ações como protestos, nem ao menos com caráter performático/artístico. Acho curioso, porque batem tanto nos evangélicos (e com razão) na questão da intolerância religiosa. Quem não se lembra daquele infeliz pastor que chutou uma santa em rede nacional (ver aqui)? Querem saber de uma coisa? Eu não consigo perceber diferença entre o que aconteceu na Marcha das Vadias no tal episódio mencionado e o que esse pastor fez. Para mim, ambas as atitudes são terrorismo religioso. Ambas são fruto da ignorância, da falta de respeito para com o outro cidadão. Quis ser muito cuidadosa ao intitular este artigo por "Marcha das vadias: um episódio à parte", pois achei importante destacar que esse ato polêmico de simular relações sexuais com crucifixos e quebrar imagens foi de um GRUPO. Ou seja, não posso e nem quero transformar esse episódio à parte numa relação metonímica e, assim, deslegitimar todo um movimento, onde mulheres sérias estão comprometidas em conclamar aquilo que acreditam ser ideais para uma sociedade mais justa. 


Ainda que eu discorde em vários pontos sobre as reivindicações que a Marcha das Vadias fazem, a questão não é essa. A questão é que eu rogo a essas mulheres que tenham pulso forte para saberem protestar de maneira inteligente – como eu sei que podem – sem que, para isso, seja preciso ofender a fé das pessoas. Eu gastei centenas de minutos escrevendo esse artigo, apenas para fazer um apelo: Que mulheres e homens não parem de pedir um mundo mais justo. E que, na busca de seus ideais, não atropelem o ser humano que está logo adiante. Gosto muito de uma palavra africana: ubuntu. Mais que uma palavra, é um conceito difícil de ser traduzido, significa mais ou menos "sou o que sou pelo que você é". 

Estamos todos, de fato, de alguma maneira interligados. E eu lamento, mas o que aconteceu nesse episódio isolado é lastimável, desprezível eu diria... perdoem-me. Mas equiparo atitudes como essas a atitudes de evangélicos que não toleram outras religiões e que corretamente recriminamos. (E pego o exemplo dos evangélicos não por que tenha algo contra eles, exatamente pelo contrário. Sou cristã protestante, então me sinto num terreno muito à vontade ao apontar os erros do segmento que eu mesma faço parte.)

Será que vale a pena protestar, se não se está baseado na razão? Tenhamos cautela para que nossos protestos não sejam motivados apenas por uma paixão (pathos) cega.  Do contrário, nossos protestos podem estar, por vezes, incitando o discurso do ódio, que tanto desaprovamos.


Por Priscilla Acioly.