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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Conversa de neto e avô

O menino magrelo, mais ou menos uns oito anos, pergunta:
- Vô...
- Hmm?
- O que o senhor ia preferir: torcer para o Brasil no final da Copa do Mundo e o Brasil não ganhar, ou não torcer e nem ver o jogo e o Brasil ser campeão?
O avô desviou os olhos do jornal e fitou o neto por cima dos óculos com uma expressão curiosa, quase condescentende.
- Você é inteligente, meu filho. Vem sempre com uma de suas sacadas...
- Não fuja da pergunta, vô...
Ainda a fitá-lo por cima dos óculos, respondeu:
- É uma pergunta difícil... mas a resposta é fácil.
O menino esperou.
- Torcer para o Brasil na final da Copa do Mundo e o Brasil não ganhar.
O pequeno se exaltou.
- Você está querendo dizer que peferiria que o Brasil perdesse uma Copa do Mundo?!?!
- Absolutamente que não, meu filho, ninguém gosta de derrotas.
- Mas então...
- O que quero dizer é que nenhuma vitória tem valor se não tiver quem se importe com ela.

Priscilla Acioly, 30/06/2010

domingo, 20 de junho de 2010

Reina de los clichés


Perigo: postagem sem pé nem cabeça e metalingüística.


Meu nome é Tamara. E eu estou lá numa quarta-feira à tarde tentando dar uma de escritora, com o papel na mão e a caneta a postos. Está um pouco calor, a rua está meio parada e eu estou dando uma de intelectual. Vou escrever utilizando-me de uma personagem, é claro.
De repente me vem à cabeça! Mas é claro, exatamente!
Começo a escrever, minha idéia é brilhante. As palavras são perspicazes, o toque sutil e as ironias simplesmente magníficas.
Está feito.

Depois de dias, semanas, ou meses eu a reencontro. Por que tudo que eu escrevera agora parece tão idiota, tão óbvio? Já vi tópicos bem melhores que esses a respeito do mesmo assunto.
Mas que prepotência a minha, achar que eu fui a primeira.
O clichê estava lá, bem na frente da minha cara. Que besta.
Então eu pego o papel e o amasso, e jogo fora.
Talvez a culpa disso tudo seja de Clarice Lispector... ela, sim, é irritante, inteligentemente macabra. Acho que ela sabia tudo aquilo que eu queria ter escrito.


Ora, depois eu volto aqui para jogar isto fora também.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Dia dos Namorados





-Amor, amanhã é dia dos namorados - ele diz com visível empolgação.
Ela continua assistindo ao jogo da Copa sem ser abalada.
- Amor! - Ele insiste.
- Hmm...? - ela murmura ainda vidrada na tela.
- Eu disse que amanhã é Dia dos Namorados! Você não ouviu não, é? - Estala os dedos impaciente.
- É eu sei, também gosto disso e... VAI, CRUZA! CRUZA ESSA BOLA! - exasperada ela fica de pé gritando, se lamentando pelo passe errado do atacante - Mas que imbecil, se tivesse cruzado antes... mas não, foi tentar jogada individual isso que dá, babaca.
- Cristiana dá pra parar de olhar pro jogo e me ouvir de uma vez por todas?! Não é nem jogo do Brasil, caramba.
Ele já estava com raiva. Finalmente ela percebe a presença dele na sala e se senta mais acalmada.
- Ah, amor! Não precisa ficar bravo, o que dizia...? - sorriso cara-de-pau.
- Nada.
Ela o observa, ele está de braços cruzados; mau sinal. Afinal, o que ele tinha dito mesmo...?, deveria ter alguma coisa a ver com o aniversário da mãe... ou quem sabe a festa junina do Carlinhos? Deveria intervir, insistir na conversa, tentar reconciliar seja o lá o que ela tivesse feito de errado ou ficar de olho para a cobrança de falta perigosa perto da área da Argentina?
Ela arriscou.
- Então, tá tudo bem mesmo...? - olhou desconfiada pra ele.
Ele ficou calado por uns segundos, o jogador argentino ajeitou a bola no pé.
- Bom, já que você não quer falar então é porque está tudo bem. - ela ficou aliviada, retomando a atenção para o lance.
O jogador foi correndo para o chute. Bateria para alguém, arriscaria direto? Quanta apreensão naquele fim de segundo tempo dramático e...
- Sabe o que é, Cristiana?
Ele se colocou de pé na frente da tela, balançando os dedos acusadores para ela. Ótima hora para ser teatral, ela conseguiu pensar com sarcasmo.
- É que você não escuta nada do que eu falo porque fica vidrada nesse jogo que NEM É DO BRASIL e age como se fosse um robô que não está presente aqui do meu lado.
- Amor, que isso, eu tô aqui sim! Pode falar o que quiser, sou toda ouvidos! - disse, sem conseguir esconder o tom incoscientemente cínico na voz - Agora, er, você poderia só chegar um pouco para o lado?
- Não, Cristiana! Você só dá atenção pra esse maldito futebol. Amanhã é Dia dos Namorados e você nem sequer se deu conta disso!!
Dia dos namorados?
Ela olhou pro relógio e viu a data. Estava lá bem clara: doze de junho de dois mil e dez. Maldição.
- Amor, meu Deus, é claro que eu sabia que amanhã é Dia dos Namorados. É que você nem me dá chances de fazer surpresa, poxa...
Ele baixou a guarda, por essa ele não esperava.
- Surpresa?
" E apita o árbitro no segundo tempo! Fim de jogo com a virada sensacional da Argentina..."

- É, surpresa. Só que agora você ficou irritado e conseguiu ME deixar irritada por não ter visto o gol de virada da Argentina! Não tem mais surpresa nenhuma agora!
Um alívio, ela era péssima em surpresas.
- A culpa não é minha se você foi ignorante comigo. E tudo bem, eu posso procurar outra namorada para passar o dia amanhã comigo.
- E eu posso procurar outro namorado menos reclamão e mais legal que você pra ver o jogo comigo. Duvido que seja difícil...
- Tenho certeza de que será fácil encontrar uma garota que não aja como uma louca só por causa da Copa do Mundo.
- Tá bem!
- Tá legal!
Ele foi pra casa. Ela ficou em casa.

No dia seguinte ela apareceu na casa dele logo de manhã. Estava arrependida, sabia que ele era sensível, um cara diferente.
- Nil, sou eu... pode abrir.
Ele hesitou no olho mágico, mas cedeu.
- O que você quer?
- Desculpa por ontem, eu peguei pesado. Mas pra compensar eu quero que a gente passe o dia de hoje num lugar bem legal.
- Hoje tem jogo do Brasil, Cristiana. Esse até eu vou querer ver - ele revirou os olhos. Não era fã de futebol.
Ela abriu um sorriso imediato.
- Ótimo. Porque já trouxe as cornetas, as bandeiras e uma caixa de cerveja...! - ela entrava com as tralhas para dentro da casa dele.
- Pelo visto você pensou em tudo hein... só não sei ainda se eu já te perdoei.
- Não seja besta, claro que já.
- Não sei não...
- Você pode não gostar de futebol, Nilsinho... - ela disse, dando um beijinho no beicinho dele - mas duvido que não goste do uniforme que estou usando.
Ele a encarou confuso.
- Me refiro ao uniforme que você não pode ver, seu lesado. - ela riu, revirando os olhos. Ele sorriu satisfeito.
- Isso parece bastante interessante... - ele tentou se proximar dela ao beliscar sua cintura.
- Ei, o que acha que está fazendo? Comemorações só depois que o Brasil ganhar - ela deu um tapa nos dedos dele.
Os dois riram de si mesmos. E aquela tarde foi agradável. Brasil ganhou de 5x3 da Alemanha com todos os gols marcados por zagueiros... Nilsinho quase ficou surdo com as cornetadas de Cristiana e - no fim das contas - ele mesmo teve de admitir que gostava um pouco de futebol... talvez porque ele gostasse muito de Cristiana.