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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Alfredo, sozinho e o narrador onisciente


Alfredo não sabia para onde ir. Sentou-se no ônibus azul, fileira A, cadeira verde.
Alfredo era mais velho do que se pensa e mais novo do que se acha. Permaneceu calado o tempo todo durante a viagem. Era Alfredo + Alfredo. Alfredo consigo mesmo.
Ninguém podia ver o que Alfredo estava fazendo naquele momento, apesar de Alfredo não estar fazendo nada - aparentemente.
Mas conto um segredo: Alfredo fazia muitas coisas naquele momento, naquela cadeira verde, da fileira A, no ônibus azul.
Fazia coisas que ninguém pode saber. Alfredo pensava, pensava, pensava, pensava, pensava...
e por causa disso Alfredo se auto firmava, decidia-se, tomava rumos mentais que nem ele mesmo se dava conta. Por vezes, concentrado, pensava coisas não muito nobres - bem sombrias, na verdade - com muito vigor, praguejava pessoas que recuso-me a dar nomes (vai que você é o chefe de Alfredo). Nesses momentos eu podia notar que as feições de Alfredo endureciam e as pessoas que olhassem de fora achariam Alfredo um homem sério, responsável e honesto. Olha que controverso! Era a última coisa que ele poderia ser - naquele momento. Era um grande menino mimado, na verdade. Outras vezes, sua expressão amenizava e, absorto, procurava olhar pela janela e para o alto. Esse era um dos momentos que mais gostava em Alfredo. Quem olhasse de fora o chamaria de desatento, infantil, fanfarrão. Erram mais uma vez. Nesses momentos ele se preocupava com coisas sérias, bonitas e vitais. Ainda que ele só estivesse admirando o bater de asas de pombas sujas da cidade.
Até que Alfredo teve de deixar a fileira A, do ônibus azul com a cadeira verde. Alfredo desceu, subiu pela calçada e começou a agir - atuar - como os demais seres humanos. Que pena, porque a partir dali não vi mais Alfredo ser autêntico nem por um minuto. Ao passo que chego à conclusão de que Alfredo, assim como os demais de sua espécie, só pode conhecer suas virtudes e deslizes quando está sozinho.

Se eu tivesse o direito de ser animado, largaria essa vida de narrador e iria viver minhas próprias 'Alfredices'...

4 comentários:

  1. Mas te condenaram ao narrar. Uma solução, talvez: leia os últimos versos de Os Lusíadas de Camões e verá o que o leva a parar de narrar - pelo menos padeces de parecida lástima.
    beijos
    Vinícius Antunes

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  2. Garota, virei tua fã! Larga o curso de letras e vem pra jornalismo!Ja conheço a pessoa certa pra te apresentar.
    God bless

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  3. mt maneiro...quem não tem seus momentos de alfredo???

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  4. Jornalismo? Priscila, a Camila está louca. Não existe escrita mais utilitária que a de um jornalista e eles acham isso bom.

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