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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A dúvida

Ambas as figuras um de frente para o outro sentados. Um dos dois alto, o outro pequeno demais - em todos os aspectos.
- E então, como andam as coisas?
- Acho que bem...
O mais alto, possivelmente o mestre, franziu os lábios.
- Sabia que só pessoas medíocres respondem que 'tudo está bem'?
O pequeno encolheu-se, não por medo - talvez por vergonha. Dezesete segundos depois o rapaz se pronuncia.
- Não vai nada bem, acho que... - mordendo os lábios, aflito - não consigo mais.
- Já passaram-se seis meses.
- Mas eu não consigo pensar em algo que dê um impulso na trama e...
- Não me importo - brincava de girar o anel no dedo.
- Mas, senhor... eu não entendo... eu penso em coisas, tenho sonhos reveladores enquanto durmo. Idéias brilhantes me ocorrem em lugares inoportunos abarrotados de gente. Então quando me sento sozinho para recomeçar a escrever, não me vem. Absolutamente nada.
- Você já criou, agora é tarde para ser covarde. Antes deveria ter sido covarde a ponto de não escrever o primeiro parágrafo. Mas agora eles já existem.

O ingênuo pairava com um olhar intrigado. Quem existe?
- Seus personagens, eles estão vivos, uma vez que você os deu personalidade.
- Tudo bem mas eu estive pensando e ainda não sei quem deve morrer... se o senhor pudesse me ajudar e então...
- Não ouço o que está dizendo - o 'olhos azuis' era bom na arte de desprezar.
- Você não sabe o quanto é custoso matar um deles... tenho pesadelos com isso. Nunca sei ao certo se serei justo com um e outro.
Olhos azuis encarando olhos castanhos. Olhos azuis se compadece dos olhos castanhos.
- Vou lhe dizer algo, e depois disso espero nunca mais ver você aqui, a não ser que esteja com a obra em mãos e finalizada.
- Certo.
- Pois bem, você precisa de calma. E barulho, muito barulho. Não pense em terminar o livro como um fardo, apenas imagine que essas pessoas são amigos seus, vizinhos quem sabe. Saia de vez em quando, vá passear, veja cores e pessoas. Você verá pedaços de seus personagens repicados nelas... e eles mesmos lhe dirão quem precisa morrer. Eles lhe dirão o que fará a história ser inesquecível. Você só precisa escutá-los.
Olhos azuis nem sabia se era um conselho útil, mas falou com tanta firmeza que olhos castanhos pôs-se em coluna ereta e fez que sim com a cabeça.


Depois só o escuro na sala.

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